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TARDE DE MÚSICA

Posted by Café e Poesias on 20:21 in
Só Schumann, meu Amor! Serenidade...
Não assustes os sonhos...Ah! não varras
As quimeras...Amor, senão esbarras
Na minha vaga imaterialidade...

Liszt, agora o brilhante; o piano arde...
Beijos alados...ecos de fanfarras...
Pétalas dos teus dedos feitos garras...
Como cai em pó de oiro o ar da tarde!

Eu olhava para ti..."é lindo! Ideal!"
Gemeram nossas vozes confundidas.
-- Havia rosas cor-de-rosa aos molhos --

Falavas de Liszt e eu...da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cílios sobre os olhos...

Florbela Espanca

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NOITE DE CHUVA

Posted by Café e Poesias on 20:15 in
Chuva...Que gotas grossas!...Vem ouvir:
Uma ...duas...mais outra que desceu...
É Viviana, é Melusina, a rir,
São rosas brancas dum rosal do Céu...

Os lilases deixaram-se dormir...
Nem um frémito...a terra emudeceu...
Amor! Vem ver estrelas a cair:
Uma...duas...mais outra que desceu...

Fala baixo, juntinho ao meu ouvido,
Que essa fala de amor seja um gemido,
Um murmúrio, um soluço, um ai desfeito...

Ah! deixa à noite o seu encanto triste!
E a mim...o teu amor que mal existe,
Chuva a cair na noite do meu peito!

Florbela Espanca

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O TEU OLHAR

Posted by Café e Poesias on 20:13 in
Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,

Mares onde não cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de heróis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;

Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!

E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!

Florbela Espanca

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BLASFÉMIA

Posted by Café e Poesias on 20:10 in
Silêncio, meu Amor, não digas nada!
Cai a noite nos longes donde vim...
Toda eu sou alma e amor, sou um jardim,
Um pátio alucinante de Granada!

Dos meus cílios a sombra enluarada,
Quando os teus olhos descem sobre mim,
Traça trémulas hastes de jasmim
Na palidez da face extasiada!

Sou no teu rosto a luz que o alumia,
Sou a expressão das tuas mãos de raça,
E os beijos que me dás já foram meus!

Em ti sou Glória, Altura e Poesia!
E vejo-me -- milagre cheio de graça! --
Dentro de ti, em ti igual a Deus!...

Florbela Espanca

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SONHO VAGO

Posted by Café e Poesias on 20:08 in
Um sonho alado que nasceu um instante,
Erguido ao alto em horas de demência...
Gotas de água que tombam em cadência
Na minh'alma tristíssima, distante...

Onde está ele, o Desejado? O Infante?
O que há-de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O Príncipe Encantado? O Eleito? O Amante?

E neste sonho eu já nem sei quem sou...
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou...

Um fogo-fátuo rútilo, talvez...
E eu ando a procurar-te e já te vejo!
E tu já me encontraste e não me vês!...

Florbela Espanca

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PARA QUÊ?

Posted by Café e Poesias on 20:04 in
Ao velho amigo João

Para quê ser o musgo do rochedo
Ou urze atormentada da montanha?
Se a arranca a ansiedade e o medo
E este enleio e esta angústia estranha

E todo este feitiço e este enredo
Do nosso próprio peito? E é tamanha
E tão profunda a gente que o segredo
Da vida como um grande mar nos banha?

Pra que ser asa quando a gente voa,
De que serve ser cântico se entoa
Toda a canção de amor do Universo?

Para quê ser altura e ansiedade,
Se se pode gritar uma Verdade
Ao mundo vão nas sílabas dum verso?

Florbela Espanca

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VOZ QUE SE CALA

Posted by Café e Poesias on 20:02 in
Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.

Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.

Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!

Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!...

Florbela Espanca

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EM VÃO

Posted by Café e Poesias on 20:01 in
Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem donde vem.

Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
a flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!

E eu quero bem a tudo, a toda gente...
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!

E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flores a sombra dos meus passos!

Florbela Espanca

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O MEU IMPOSSÍVEL

Posted by Café e Poesias on 19:57 in
Minh'alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!

Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito.É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...

Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!...Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto...

Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!...

Florbela Espanca

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À JANELA DE GARCIA DE RESENDE

Posted by Café e Poesias on 19:54 in
Janela antiga sobre a rua plana...
Ilumina-a o luar com seu clarão...
Dantes, a descansar de luta insana,
Fui, talvez, flor no poético balcão...

Dantes! Da minha glória altiva e ufana,
Talvez...Quem sabe?...Tonto de ilusão,
Meu rude coração de alentejana
Me palpitasse ao luar nesse balcão...

Mística dona, em outras Primaveras,
Em refulgentes horas de outras eras,
Vi passar o cortejo ao sol doirado...

Bandeiras! Pajens! O pendão real!
E na tua mão, vermelha, triunfal,
Minha divisa: um coração chagado!...

Florbela Espanca

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ÉVORA

Posted by Café e Poesias on 19:51 in
Ao amigo vindo da luminosa Itália, a minha cidade, como eu soturno e triste...

Évora! Ruas ermas sob os céus
Cor de violetas roxas...Ruas frades
Pedindo em triste penitência a Deus
Que nos perdoe as míseras vaidades!

Tenho corrido em vão tantas cidades!
E só aqui recordo os beijos teus,
E só aqui eu sinto que são meus
Os sonhos que sonhei noutras idades!

Évora!...O teu olhar...o teu perfil...
Tua boca sinuosa, um mês de Abril,
Que o coração no peito me alvoroça!

...Em cada viela o vulto dum fantasma...
E a minh'alma soturna escuta e pasma...
E sente-se passar menina e moça...

Florbela Espanca

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TEUS OLHOS

Posted by Café e Poesias on 19:44 in
Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.

Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d'Além-Mundos ignorados!

Olhos do meu Amor! Fontes...cisternas...
Enigmáticas campas medievais...
Jardins de Espanha...catedrais eternas...

Berço vindo do Céu à minha porta...
Ó meu leito de núpcias irreais!...
Meu sumptuoso túmulo de morta!...

Florbela Espanca

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MINHA CULPA

Posted by Café e Poesias on 19:42 in
A Artur Ledesma

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou? um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo...um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém

Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou?Sei lá! Sou a roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...

Florbela Espanca

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A UMA RAPARIGA

Posted by Café e Poesias on 19:39 in
A Nice

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre os lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois , a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste de uma flor!...

Florbela Espanca

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POBRE DE CRISTO

Posted by Café e Poesias on 19:38 in
A José Emídio Amaro

Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viste o mar,
Onde tenho o meu pão e a minha casa.

Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folhas...a dormitar...
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra moirisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu
Aonde a mãe que eu tive e que morreu
Foi moça e loira, amou e foi amada!

Truz...Truz...Truz... -- Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite,
Terra, quero dormir, dá-me pousada!...

Florbela Espanca

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PANTEÍSMO

Posted by Café e Poesias on 19:35 in
Ao Boto de Carvalho

Tarde de brasa a arder, sol de Verão
Cingindo, voluptuoso, o horizonte...
Sinto-me luz e cor, ritmo e clarão
De um verso triunfal de Anacreonte!

Vejo-me asa no ar, erva no chão,
Oiço-me gota de água a rir, na fonte,
E a curva altiva e dura do Marão
É o meu corpo transformado em monte!

E de bruços na terra penso e cismo
Que, neste meu ardente panteísmo,
Nos meus sentidos postos, absortos

Nas coisas luminosas deste mundo,
A minha alma é o túmulo profundo
Onde dormem, sorrindo, os deuses mortos!

Florbela Espanca

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SOU EU!

Posted by Café e Poesias on 19:33 in
A Laura Chaves

Pelos campos em fora, pelos combros,
Pelos montes que embalam a manhã,
Largo os meus rubros sonhos de pagã,
Enquanto as aves poisam nos meus ombros...

Em vão me sepultaram entre escombros
De catedrais de uma escultura vã!
Olha-me o loiro sol tonto de assombros,
E as nuvens, a chorar, chamam-me irmã!

Ecos longínquos de ondas...de universos...
Ecos de um mundo...de um distante Além,
De onde eu trouxe a magia dos meus versos!

Sou eu! Sou eu! A que nas mãos ansiosas
Prendeu da vida, assim como ninguém,
Os maus espinhos sem tocar nas rosas!

Florbela Espanca

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A MINHA PIEDADE

Posted by Café e Poesias on 19:26 in
Ao Bourbon e Meneses

Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalço pela vida;

Da rocha altiva , sob o monte erguida,
Olhando os Céus ignotos frente à frente;
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensanguentam na subida!

Tenho pena de mim...pena de ti...
De não beijar o riso duma estrela...
Pena dessa má hora em que nasci...

De não ter asas para ir ver o Céu...
De não ter Esta...a Outra...e mais Aquela...
De ter vivido, e não ter sido Eu...

Florbela Espanca

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QUEM SABE?...

Posted by Café e Poesias on 19:21 in
Ao Ângelo

Queria tanto saber porque sou Eu!
Quem me enjeitou neste caminho escuro?
Queria tanto saber porque seguro
Nas minhas mãos o bem que não é meu!

Quem me dirá se, lá no alto, o Céu
Também é para o mau, para o perjuro?
Para onde vai a alma, que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!

A estrada de Damasco, o meu caminho,
O meu bordão de estrelas de ceguinho,
Água da fonte de que estou sedenta!

Quem sabe se este anseio de Eternidade,
A tropeçar na sombra, é a Verdade,
É já a mão de Deus que me acalenta?

Florbela Espanca

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ÁRVORES DO ALENTEJO

Posted by Café e Poesias on 19:14 in
Ao Prof.Guido Batelli

Horas mortas...Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido...e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol pospoente
A oiro, a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
-- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Florbela Espanca

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IN MEMORIAM

Posted by Café e Poesias on 19:12 in
Ao meu morto querido

Na cidade de Assis, "il Poverello"
santo, três vezes santo, andou pregando
Que o Sol, a Terra, a flor, o rocio brando,
Da pobreza o tristíssimo flagelo,

Tudo quanto há de vil, quanto há de belo,
Tudo era nosso irmão! -- E assim sonhando,
Pelas estradas da Umbra foi forjando
Da cadeia do amor o maior elo!

"Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã Água..."
Ah! Poverello! Em mim, essa lição
Perdeu-se como vela em mar de mágoa

Batida por furiosos vendavais!
-- Eu fui na vida a irmã de um só Irmão,
E já não sou a irmã de ninguém mais!

Florbela Espanca

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?

Posted by Café e Poesias on 19:08 in
Quem fez ao sapo o leito carmesim
De rosas desfolhadas à noitinha?
E quem vestiu de monja a anadorinha,
E perfumou as sombras do jardim?

Quem cinzelou estrelas no jasmim?
Quem deu esses cabelos de rainha
Ao gisrassol? Quem fez o mar? E a minha
Alma a sangrar? Quem me criou a mim?

Quem fez os homens e deu vida aos lobos?
Santa Tereza em místicos arroubos?
Os monstros? E os profetas? E o luar?

Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros
-- Sem nos dar braços para os alcançar?

Florbela Espanca

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NÃO SER

Posted by Café e Poesias on 19:06 in
Quem me dera voltar à inocência
Das coisas brutas, sãs, inanimadas,
Despir o vão orgulho, a incoerência:
-- Mantos rotos de estátuas mutiladas!

Ah! Arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência!
Ah! Poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!

Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!

Ser haste, seiva, ramaria inquieta,
Erguer ao sol o coração dos mortos
Na urna de oiro duma flor aberta!...

Florbela Espanca

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A VOZ DE TÍLIA

Posted by Café e Poesias on 19:03 in
Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera,
Eu sou isto que vês: o sonho, a graça;
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escutultural de bayadera...

E de manhã o sol é uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça...
Trago nas mãos as mãos da Primavera...
E é para mim que em noites de desgraça

Toca o vento Mozart, triste e solene,
E à minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine..."

E, ao ver-me triste, a tília murmurou;
"Já fui um dia poeta como tu...
Ainda hás-de ser tília como eu sou..."

Florbela Espanca

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NERVOS DE OIRO

Posted by Café e Poesias on 18:59 in
Meus nervos, guizos de oiro a tilintar,
Cantam-me na alma a estranha sinfonia
Da volúpia, da mágoa e da alegria,
Que me faz rir e que me faz chorar!

Em meu corpo fremente sem cessar,
Agito os guizos de oiro da folia!
A Quimera, a Loucura, a Fantasia,
Num rubro turbilhão sinto-As passar!

O coração numa imperial oferta,
Ergo-o ao alto!E, sobre a minha mão,
É uma rosa de púrpura, entreaberta!

E em mim, dentro de mim, vibram dispersos
Meus nervos de oiro, esplêndidos, que são
Toda a Arte suprema de meus versos!

Florbela Espanca

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MAIS ALTO

Posted by Café e Poesias on 18:57 in
Mais alto, sim!mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quem

O mundo não conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!

Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível
Turris Eburnea erguida nos espaços,
À rutilante luz dum impossível!

Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!

Florbela Espanca

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FILTRO

Posted by Café e Poesias on 18:55 in
Meu Amor, não é nada: sons marinhos
Numa concha vazia, choro errante...
Ah!olhos que não choram!Pobrezinhos...
Não há luz neste mundo que os levante!

Eu andarei por ti os maus caminhos
E as minhas mãos, abertas a diamantes,
Hão-de crucificar-se nos espinhos
Quando o meu peito for o teu mirante!

Para que os corpos vis te não desejem,
Hei-de dar-te o meu corpo, e a boca minha
Pra que bocas impuras te não beijem!

Como quem roça um lago que sonhou,
Minhas cansadas asas de andorinha
Hão-de prender-te todo num só voo...

Florbela Espanca

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VOLÚPIA

Posted by Café e Poesias on 18:52 in
No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
-- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...

Florbela Espanca

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INTERROGAÇÃO

Posted by Café e Poesias on 18:49 in
Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos bardos à garganta
Num clamor de loucura que contenho.

Ó alma da charneca sacrossanta,
Irmã da alma rútila que eu tenho,
dize para onde eu vou, donde é que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!

Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!

Dize que mão é esta que me arrasta?
Nódoa de sangue que palpita e alastra...
Dize de que é que eu tenho sede e fome?!

Florbela Espanca

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CRUCIFICADA

Posted by Café e Poesias on 18:46 in
Amiga...noiva...irmã...o que quiseres!
Por ti, todos os céus terão estrelas,
Por teu amor, mendiga, hei-de merecê-las
Ao beijar a esmola que me deres.

Podes amar até outras mulheres!
-- Hei-de compor, sonhar palavras belas,
Lindos versos de dor só para elas,
Para em lânguidas noites lhes dizeres!

Crucificada em mim, sobre os meus braços,
Hei-de poisar a boca nos teus passos
Pra não serem pisados por ninguém.

E depois...Ah! Depois de dores tamanhas
Nascerás outra vez de outras entranhas,
Nascerás outra vez de uma outra Mãe!

Florbela Espanca

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Posted by Café e Poesias on 22:46 in
Quando seu silêncio emudecer
no meu,
e os dois se acasalarem
numa plenitude imoral,
é chegado o sinal
de que nosso amor é bem possível.
Amar é tornar a quietude indivisível.

Flora Figueiredo

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Bucólico

Posted by Café e Poesias on 22:43 in
Flácida e preguiçosa,
a tarde escorrega
e se esfrega em minha perna.
Faz-se eterna
nas linhas de um poema.
A tarde-tema
boceja um sono cor-de- rosa

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 22:41 in
Há dias de se acordar tão feminina!
Gata,sereia,bailarina,
sedas, laços e batom.
O corpo é doce, o beijo é bom,
a vida é orquestra; eu,maestrina.
É dia de viver celeremente.
Antes que o encanto rache
ou que o ciclone aumente,
lavo-me em mel e purpurina.
Mas toca o telefone, a flauta desafina,
e eu visto a couraça novamente

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 22:38 in
Não chore um insucesso,
O que pode parecer um abscesso,
também pode servir de recomeço.
Agarre o desaponto pelo avesso,
apare as pontas,corte o excesso.
Mude a covardia de endereço,
ponha a escavadeira em retrocesso
até que o mundo,esse réu confesso,
lhe devolva seu mel e seu apreço.
Uma vez retomado esse processo,
devolva-me o sorriso que mereço.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 22:31 in
Dispense os chás de ervas,
os calmantes,
as receitas de lorotas em conserva,
alucinógenos,
bebidas inebriantes,
álcool em excesso,
glicógenos,
os moderadores, os estimulantes,
as bulas de remédios limitantes,
as lições de poder sob medida.
Liberte o coração e beba a vida.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 22:26 in
Faça o seguinte:
Assopre o pensamento triste,
Deixe escorrer a última lágrima, conte até vinte.
Abra então a janela, aquela que dá para o vôo dos pardais,
Procure a luz que pisca lá na frente(evite as sombras que ficaram lá para trás).
Ao encontrá-la, coloque-a dentro do peito,
De tal jeito, que possa ser notada do lado de fora;
Acrescente agora uma pitada de poesia,
Do tipo que passa por nós todos os dias, e nem sequer consegue ser notada;
Aumente o brilho, com toda a intensidade de que um sorriso é capaz.
A felicidade é o seu limite,
E o paraíso é você mesma quem faz.

Flora Figueiredo

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Flutuações

Posted by Café e Poesias on 22:23 in
O sonho aprendeu a pairar bem alto,
lá onde o sobressalto nem sequer nasceu.
Namorou a trôpega ilusão,
até que trêfego e desajeitado,
desprendeu-se de seu reino idealizado,
veio pousar tamborilante em minha mão.
Assim, aquecido e aconchegado,
parece que se esqueceu de ir embora.
Na hora em que ressona distraído,
eu lhe pingo malemolências ao ouvido,
à sua inquietação eu me sujeito.
Eis que o sonho dorme agora aqui comigo,
seu corpo repousa no meu peito.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 22:21 in
"Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.

Vistos os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certezas de empréstimo, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.

Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!

Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir."


(Carlos Drummond de Andrade, Nosso Tempo, I)

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Posted by Café e Poesias on 22:17 in

“Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura."

Clarice Lispector

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Comunicado

Posted by Café e Poesias on 22:14 in
Só por hoje
vou rasgar os códigos.
Desacato as regras,
os preços módicos.
Só por hoje
desacredito das retas,
descarrilho do trilho,
desvio das setas.
Preciso de tempo pra sonhar,
respirar fundo e carregar na mão
o sal da vida e o mel do mundo.
Se o compromisso tocar a campainha,
peço que aguarde na casa vizinha,
mansamente, sem fazer alarde.
Mas comunico a todos pela imprensa
que sumiu a lucidez.
Pediu licença.
É só por hoje,
mas agora é minha vez.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 22:11 in
Querem um verso,
mas não sou capaz.
Vejo a palavra fraturar
as entrelinhas,
tento soldá-las,
mas não são minhas.
Rompeu-se o verbo
e me deixou pra trás.

Flora Figueiredo

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Aviso

Posted by Café e Poesias on 22:08 in
Peço àqueles que me amam
intensamente,
que aguardem pacientemente
do lado de fora.
Se a porta não abrir
e o tempo passar,
é melhor desistir e ir embora.
Fiquei com aqueles que me fazem amar .

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 22:04 in
Tem que haver um espaço para nós dois
onde caibam nossos amores,
nossos temores, nossos dilemas.
Tem que haver pra nós um tema que fale de flores.
Tem que haver uma canção de versos sofridos, amargos e doces.
Tem que haver uma oração que fale de ciúmes, de saudades,
de perdão, que abençõe os beijos, os desejos retumbantes
Pra quando declinada no fim do dia possa ser a Ave-Maria dos amantes.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 22:02 in
O sol desceu pelo escorregador e
fez o mundo sorrir tão de repente,
que toda a gente parou para assistir.
Coisas de Verão ...
É o coração que fica adolescente,
o corpo forte, de pé para aplaudir.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 22:00 in
O vento anda ficando mentiroso.
Prometeu trazer você, não trouxe.
Ficou de dizer o porquê, não disse.
Esperou que eu me distraísse, passou
depressa, rumo ao horizonte.
Já não tem importância que cometa outra vez,
um ato de inconstância...
Aprendi a esperar...
Se ventos são capazes de levar embora,
a qualquer hora, também,
são capazes de fazer voltar.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 21:55 in
Lembrete: Não deixe portas entreabertas
Escancare-as Ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas Passam
apenas semiventos, Meias verdades
E muita insensatez.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 21:53 in
Silencio.
Madrugada.
Rua vazia.
Uma lua branca de linho estendida no escuro, sobre o nada.
Num momento insone, conversam confidentes:
Presente, Passado, Futuro.
Um pensamento corta o espaço, versejando a esmo.
Escuto passo:
É meu coração abrindo a porta de mim mesmo.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 21:47 in
Respeite o silêncio
a omissão,
a ausência.
É meu movimento de deserção.
Abandonei o posto,
rompi a corda,
desacreditei de tudo.
Cansei de esperar que finalmente um dia,
minha fotografia
fizesse jus ao seu criado-mudo.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 21:40 in
Pois que viver
não é entrar no mar onde dá pé,
mas mergulhar com fé no maremoto.

Flora Figueiredo

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Posted by Café e Poesias on 21:32 in
Grito se agiganta,
embrutece, se enfurece,
morre na garganta...

Flora Figueiredo

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