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Amor - O Interminável Aprendizado
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20:11
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Affonso Romano de Sant'Anna
"Na história universal do amor,
Amou-se sempre diferentemente,
Embora parecesse ser sempre
O mesmo amor de antigamente."
Amou-se sempre diferentemente,
Embora parecesse ser sempre
O mesmo amor de antigamente."
Criança, ele pensava: amor, coisa que os adultos
sabem. Via-os aos pares namorando nos portões enluarados se
entrebuscando numa aflição feliz de mãos na folhagem
das anáguas. Via-os noivos se comprometendo à luz da
sala ante a família, ante as mobílias; via-os casados,
um ancorado no corpo do outro, e pensava: amor, coisa-para-depois,
um depois-adulto-aprendizado.
Se enganava. Se enganava porque o aprendizado de
amor não tem começo nem é privilégio aos
adultos reservado. Sim, o amor é um interminável aprendizado.
Por isto se enganava enquanto olhava com os colegas,
de dentro dos arbustos do jardim, os casais que nos portões
se amavam. Sim, se pesquisavam numa prospecção de veios
e grutas, num desdobramento de noturnos mapas seguindo o astrolábio
dos luares, mas nem por isto se encontravam. E quando algum amante
desaparecia ou se afastava, não era porque estava saciado.
Isto aprenderia depois. É que fora buscar outro amor, a busca
recomeçara, pois a fome de amor não sabia nunca, como
ali já não se saciara.
De fato, reparando nos vizinhos, podia observar.
Mesmo os casados, atrás da aparente tranqüilidade, continuavam
inquietos. Alguns eram mais indiscretos. A vizinha casada deu para
namorar. Aquele que era um crente fiel, sempre na igreja, um dia jogou
tudo para cima e amigou-se com uma jovem. E a mulher que morava em
frente da farmácia, tão doméstica e feliz, de
repente fugiu com um boêmio, largando marido e filhos.
Então, constatou, de novo se enganara. Os
adultos, mesmo os casados, embora pareçam um porto onde as
naus já atracaram, os adultos, mesmo os casados, que parecem
arbustos cujas raízes já se entrançaram, eles
também não sabem, estão no meio da viagem, e
só eles sabem quantas tempestades enfrentaram e quantas vezes
naufragaram.
Depois de folhear um, dez, centenas de corpos avulsos
tentando o amor verbalizar, entrou numa biblioteca. Ali estavam as
grandes paixões. Os poetas e novelistas deveriam saber das
coisas. Julietas se debruçavam apunhaladas sobre o corpo morto
dos Romeus, Tristãos e Isoldas tomavam o filtro do amor e ficavam
condenados à traição daqueles que mais amavam
e sem poderem realizar o amor.
O amor se procurava. E se encontrando, desesperava,
se afastava, desencontrava.
Então, pensou: há o amor, há
o desejo e há a paixão.
O desejo é assim: quer imediata e pronta realização.
É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina
nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra
a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.
Já a paixão é outra coisa. O
desejo não é nada pessoal. A paixão é
um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos
casos, fatal.
O amor soma desejo e paixão, é a arte
das artes, é arte final.
Mas reparou: amor às vezes coincide com a
paixão, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o desejo, às
vezes não.
Amor às vezes coincide com o casamento, às
vezes não.
E mais complicado ainda: amor às vezes coincide
com o amor, às vezes não.
Absurdo. Como pode o amor não coincidir consigo
mesmo? Adolescente amava de um jeito. Adulto amava melhormente de
outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há
um amor dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta?
Coisa de demente.
Não era só a estória e as estórias
do seu amor. Na história universal do amor, amou-se sempre
diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente.
Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava
para si mesmo ensimesmado.
Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre
diferenciado.
O amor se aprendia sempre, mas do amor não
terminava nunca o aprendizado.
Optou por aceitar a sua ignorância.
Em matéria de amor, escolar, era um repetente
conformado. E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.
Affonso Romano de Sant'Anna
Texto extraído do livro "21 Histórias
de amor", Francisco Alves Editora - Rio de Janeiro, 2002, pág.11.
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