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Café e Poesias
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17:54
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Adélia Prado
Tenho um pouco de pudor de contar, mas só um
pouco, porque sei que vou acabar contando mesmo. É porque lá
em casa a gente não podia falar nem diabo, que levava sabão,
quanto mais... ah, no fim eu falo. Coisa do Teodoro, ele quem me contou,
você sabe, marido depois de um certo tempo de casamento fala
certas coisas com a mulher. O seu não fala? Pois é,
e de novo tem um tempão que aconteceu. Lembra aquela história
dos queijos? Igual. Demorou um par de anos pra me contar. O pessoal
dele é assim, sem pressa. Tem uma história deles lá,
que o pai dele, meu sogro, esperou 52 anos pra relatar. Diz ele que
esperou os protagonistas morrerem. Tem condição? Mas
o Teodoro — foi quando a gente mudou pra casa nova — teve
de ir nas Goiabeiras tratar um marceneiro e passou, pra aproveitar,
na casa da tia dele, a Carlina do Afonso, e encontrou lá o
Gomide. Tou encompridando, acho que é só por medo do
fim, mas agora já comecei, então. Então, diz
o Teodoro, que o Gomide tirou do bolso do paletó uma trouxinha
de palha de milho, cortadas elas todas iguaizinhas e amarradas com
uma embirinha da mesma palha. Escolheu, escolheu, pegou uma bem lisa
e bem branquinha, tirou o canivete do outro bolso, lambeu a palha
pra lá, pra cá, e ficou um tempão lhe passando
firme a lâmina, do meio pras pontas, de ponta a ponta, entremeando
com lambidas. Depois, ainda segurando a palha entre os dedos, foi
a hora de tirar e picar o fumo de rolo bem fininho. Ia picando e pondo
na concha da mão. Acabou, guardou o rolo e ficou socavando
o fumo na mão com a ponta do canivete. Depois pegou a palha,
mais uma lambida e foi pondo nela o fumo, espalhando ele por igual
na canaleta formada, pressionando bem pra ficar bem firme. Deu mais
uma lambida na parte mais próxima do fumo e com os polegares
e indicadores foi enrolando o cigarro devagarinho, uma enrolada e
uma lambida, uma enrolada e uma lambida. Com o canivete dobrou uma
das pontas para o fumo não escapar, tirou a binga do bolso,
acendeu e pegou a pitar. Agora é que vem, ai, ai. Teodoro falou
que o tempo todo da operação ele não despregava
o olho daquilo. Disse que nem sabe o que tia Carlina arengava, só
punha sentido no Gomide fazendo o pito. Diz ele que foi uma coisa
tão esquisita — esquisita, não —, tão
encantada que ele ficou de pau duro. É isso. Falou também
que ficou doido pra sair dali, comprar palha, fumo de rolo e repetir
tudo igualzinho ao Gomide. Eu entendo. Quando conheci o Teodoro, ele
fumava e eu achava muito emocionante. Tenho muita saudade de quando
não existia essa amolação de cigarro dar câncer,
nem de mulher ser magra. A gente tinha mais tempo para o que precisa,
não é mesmo? Será que faz mal mesmo? Colesterol,
depois de tanto barulho, estão falando que já tem do
bom. Qualquer dia vou pedir ao Teodoro pra dar uma fumadinha, só
pra fazer tipo.
Adélia Prado
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