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Sombra Amada
Posted by Café e Poesias
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21:36
in
Fernando Pessoa
Longe da fama e das espadas,
Alheio às turbas ele dorme.
Em torno há claustros ou arcadas?
Só a noite enorme.
Alheio às turbas ele dorme.
Em torno há claustros ou arcadas?
Só a noite enorme.
Porque para ele, já virado
Para o lado onde está só Deus,
São mais que Sombra, e que Passado
A terra e os céus.
Para o lado onde está só Deus,
São mais que Sombra, e que Passado
A terra e os céus.
Quem ele foi sabe-o a Sorte,
Sabe-o o Mistério e a sua lei.
A vida fê-lo herói, e a Morte
O sagrou Rei!
Sabe-o o Mistério e a sua lei.
A vida fê-lo herói, e a Morte
O sagrou Rei!
No oculto para o nosso olhar,
No visível à nossa alma,
Inda sorri com o antigo ar
De força calma.
No visível à nossa alma,
Inda sorri com o antigo ar
De força calma.
E amanhã, quando queira a Sorte,
Quando findar a expiação,
Ressurrecto da falsa morte,
Ele já não.
Quando findar a expiação,
Ressurrecto da falsa morte,
Ele já não.
Mas a ânsia nossa que encarnara,
A alma de nós de que foi braço,
Tornará, nova forma clara,
Ao tempo e ao espaço.
A alma de nós de que foi braço,
Tornará, nova forma clara,
Ao tempo e ao espaço.
Ah, tenhamos mais fé que a esp’rança!
Mais vivo que nós somos, fita
Do Abismo onde não há mudança
A terra aflita.
Mais vivo que nós somos, fita
Do Abismo onde não há mudança
A terra aflita.
E se assim é; se, desde o Assombro
Aonde a Morte as vidas leva,
Vê, esta pátria, escombro a escombro,
Cair na treva;
Aonde a Morte as vidas leva,
Vê, esta pátria, escombro a escombro,
Cair na treva;
Se algum poder do que tivera
Sua alma, que não vemos, tem,
De longe ou perto — porque espera?
Porque não vem?
Sua alma, que não vemos, tem,
De longe ou perto — porque espera?
Porque não vem?
Em nova forma ou novo alento,
Que alheio pulso ou alma tome,
Regresse como um pensamento,
Alma de um nome.
Que alheio pulso ou alma tome,
Regresse como um pensamento,
Alma de um nome.
Regresse sem que a gente o veja,
Regresse só que a gente o sinta —
Impulso, luz, visão que reja,
E a alma pressinta!
Regresse só que a gente o sinta —
Impulso, luz, visão que reja,
E a alma pressinta!
Que nova luz virá raiar
Da noite em que jazemos vis?
Ó sombra amada, vem tornar
A ânsia feliz.
Da noite em que jazemos vis?
Ó sombra amada, vem tornar
A ânsia feliz.
Quem quer que sejas, lá no abismo
Onde a morte a vida conduz,
Sê para nós um misticismo
A vaga luz
Onde a morte a vida conduz,
Sê para nós um misticismo
A vaga luz
Com que a noite erma inda vazia
No frio alvor da antemanhã
Sente, da espr’anca que há no dia,
Que não é vã.
No frio alvor da antemanhã
Sente, da espr’anca que há no dia,
Que não é vã.
E amanhã, quando houver a Hora,
Sendo Deus pago, Deus dirá
Nova palavra redentora
Ao mal que há,
Sendo Deus pago, Deus dirá
Nova palavra redentora
Ao mal que há,
E um novo verbo ocidental
Encarnado em heroísmo e glória,
Traga por seu broquel real
Tua memória!
Encarnado em heroísmo e glória,
Traga por seu broquel real
Tua memória!
Fragmentos do Poema
“A Memória do Presidente-Rei Sidônio Pais”
Fernando Pessoa
“A Memória do Presidente-Rei Sidônio Pais”
Fernando Pessoa
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